Acordo Santa Sé-China traz maior confiança e ajuda a superar obstáculos, diz missionário do PIME

Todos na China sabem que foi assinado um acordo entre a Santa Sé e seu grande país, e “para muitos havia uma grande expectativa”. É o que afirma ao Vatican News Padre Antonio Sergianni, missionário do PIME (Pontifício Instituto para Missões Estrangeiras), por 24 anos na China e, na época da “Carta aos Católicos Chineses” do Papa Bento XVI, membro da seção chinesa da Propaganda Fide.

P. – Padre Antonio Sergianni, importante acordo assinado no último sábado, mas preparado por várias etapas de aproximação entre a Santa Sé e a China. Podemos dizer que há, portanto, continuidade entre este acordo desejado pelo Papa Francisco e a orientação dos Papas anteriores? Em particular, penso em João Paulo II e Bento XVI …

R. – Absolutamente sim. Este acordo revela seu pleno significado se nos referirmos à Carta à Igreja na China do Papa Bento XVI de 2007, carta na qual o Papa descreve a situação da Igreja na China, fala da unidade da Igreja, das tensões da doutrina da Igreja sobre o episcopado. E  fala abertamente desse diálogo: ele se refere até mesmo ao Concílio Vaticano II quando diz que o respeito e o amor devem se estender também àqueles que pensam e agem de maneira diferente, porque isso facilita o diálogo com eles. Depois, por duas vezes, o Papa Bento XVI na Carta cita São João Paulo II, que desejava abertamente pelo diálogo com a Igreja na China. “Sem pedir nenhum privilégio – disse São João Paulo II – faço votos de ver em breve estabelecer formas concretas de comunicação e colaboração para a Santa Sé e para a República Popular da China”. E depois repetia mais em frente: “Faço votos que a abertura de um espaço de diálogo com as autoridades da República Popular da China, no qual superar os mal-entendidos do passado”. E o próprio Papa Bento XVI na Carta, precisamente falando da nomeação dos bispos, retomava este desejo de diálogo e dizia: “Espero que seja encontrado um acordo sobre a nomeação dos bispos”. Portanto, estamos perfeitamente em linha com o espírito da Carta de Bento XVI à China.

P. – O senhor provavelmente, ouviu nestes dias alguns comentários dos chineses sobre o acordo. Qual foi a recepção na China, entre os fiéis e em geral entre as pessoas? Eu sei que a TV chinesa também falou sobre isso …

R. – Sim, o acordo foi acolhido com alegria pelos fiéis. Soube que um bispo perdoado pelo Papa convidou os presbíteros de sua área para celebrar o acontecimento, e eles ficaram felizes. Certamente, posso dizer a você que era grande a expectativa. Duas semanas atrás eu estava na China, pude encontrar pessoas – sacerdotes, bispos e também representantes do governo -, e todos me diziam que esperavam com grande expectativa por essa assinatura; também com alguma perplexidade, porém havia uma grande esperança e uma grande expectativa da Igreja. É claro que ainda haverá sofrimento – diziam ele -, mas se permanecer e aumentar um clima de confiança, as dificuldades futuras serão superadas.

P. – A legitimação dos bispos nomeados pelo governo, a ruptura com a situação que via duas comunidades em contraste, fazem, na sua opinião, justiça aos sofrimentos passados por tantos fiéis que sempre quiseram manter a comunhão com Roma, muitas vezes pagando pessoalmente por isso?

R. – Muitos sofreram pela Igreja e fidelidade a Cristo. E a própria Carta de Bento reconhece e aprecia isso, e isso permanece: a dor daqueles que sofreram por Cristo, ninguém pode apagá-la, permanece um tesouro precioso. Certamente, olhar em frente não quer dizer apagar o passado. Em uma dinâmica de fé, a vida nasce da Cruz: a Ressurreição é o fruto da Cruz. Cristo, ressuscitando, não negou a sua morte, mas a transformou. E o Papa Bento XVI dizia, a propósito desse sofrimento: “Expresso minha proximidade fraterna. Intensa é a alegria pela sua fidelidade a Cristo, fidelidade que vocês manifestaram às vezes também ao preço de grande sofrimento”. E isso permanece, ninguém pode tirar isso. Muitas vezes os tesouros são “fonte de vitória”, diz o Papa, ainda que no momento possam parecer um fracasso. Quem que sofreram por Cristo receberá dele uma recompensa. Antes ainda, eu penso que esse acordo também é fruto daqueles sofrimentos.

P. – Na sua opinião, este acordo pode favorecer ou permitir o crescimento da Igreja Católica na China?

R. – Tenho certeza que sim. Não é um toque de varinha mágica que resolve todos os problemas imediatamente, mas a longo prazo fará a Igreja crescer. Antes de tudo, favorecerá concretamente o processo de reconciliação que passa pelo perdão e aumenta uma autêntica comunhão. Isso exige um trabalhoso esforço de reconciliação. No entanto, com esse acordo, são removidos muitos obstáculos a esse processo de reconciliação e, portanto aumentará. Depois, ser otimista ou pessimista em relação ao futuro … Eu me recordo somente que uma vez o Papa Bento a esta pergunta me respondeu – porque ele respondeu precisamente a mim – falando sobre a situação da Igreja na China. Respondeu que o otimismo e o pessimismo são duas categorias mentais, humanas, muito estreitas demais. O cristão – disse ele – tem a certeza de que a história é guiada por Deus e, portanto, olha para as situações com esperança. Quando Deus quer, tudo ele pode mudar e o Senhor leva em frente a história. Se a Igreja chegou, não com poucas dificuldades a este passo, é de se esperar que isso beneficie a todos no futuro. Isso certamente ajudará o crescimento da Igreja na China, certamente.

P. – E também podemos supor uma maior circulação de notícias entre Roma e os fiéis chineses?

R. – Certamente. É uma medida que aumentará o clima de confiança, o conhecimento recíproco, as trocas de informação, a circulação dos bispos. Este será um dos primeiros frutos que virá desta assinatura, porque da China se conhece pouco também na Europa: da situação concreta, real que vivem os nossos irmãos chineses, infelizmente sabemos ainda pouco. Poém, aumentando o clima de confiança também entre as autoridades vaticanas e chinesas, haverá uma maior circulação de idéias e de pessoas, de encontros, de iniciativas, e pouco a pouco tudo isso ajudará. Não de hoje para amanhã: é um processo. Essa assinatura é um elo, um passo: é o elo de uma cadeia, de um processo, que depois deve se desenvolver pouco a pouco.

P. – Sabemos que existe uma maior confiança da Igreja em relação à China. Há também, imagino, um aumento recíproco dessa confiança, caso contrário, o acordo não teria sido assinado …

R. – Sem dúvida. Se o governo aceita esse acordo que deixa a última palavra ao Papa sobre a nomeação dos bispos, isso significa que lhe dá confiança. Ele aceitou a constituição de uma nova diocese; aceitou o perdão desses bispos; aceitou que o Papa exercesse sua função de guia espiritual e hierarca na Igreja Católica na China. Se aceitou isso, significa que lhe deu confiança.

P. – Qual será a prática agora? Quanto espaço haverá para a liberdade de ação do Papa? Os bispos ordenados no passado, em comunhão com Roma, serão reconhecidos pelo governo?

R. – Os detalhes do acordo não se conhecem. Certamente existem, foram estudados. Dquilo que se sabe, será uma prática compartilhada. A Santa Sé aceita, como solução provisória – a ser vista, a ser melhorada – que o processo de designação dos candidatos, dos bispos, ocorra a partir de baixo, das comunidades eclesiais, mesmo com a intervenção de organismos estatais. Enquanto o governo, por sua vez, aceita que a decisão final, ou seja, se um candidato não é apreciado, não é considerado à altura por parte do Papa, aceita a decisão final, ou seja, se recomeça tudo de novo. Isso é o que aparece, mas os detalhes não são conhecidos. No entanto, existe o fato que aceita que a última palavra sobre a nomeação pertence ao Pontífice; portanto, a nomeação dos bispos é deixada ao Sucessor de Pedro. Em relação aos bispos ordenados por Roma e não reconhecidos pelo governo, certamente haverá um processo de reconhecimento. Será analisado caso a caso e certamente este é um dos problemas a serem resolvidos. Esta assinatura é uma base, é uma condição para resolver problemas que ainda estão em aberto, e são muitos. Outra questão importante é a da formação. Agora, mais do que nunca, o ponto fundamental é o crescimento e a qualidade da fé; ajudar as consciências dos fiéis a amadurecer na fé, porque tudo está no âmbito da fé. Não é um discurso político: é um discurso pastoral, eclesial, de fé. O problema é a formação dos presbíteros que estão isolado, o apoio aos bispos que estão isolados. Portanto, será um desafio também para o Vaticano, aumentando a capacidade de contatos, de ajudá-los na formação.

 

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